Pobre não vale nada. Vive reclamando que não tem dinheiro,
deixa as crianças comendo cream cracker porque não tem 1 real pra comprar pão, mas
todo fim de semana tá fazendo uma ‘fézinha’ na casa lotérica da esquina. Ele
sabe que as chances de acertar as dezenas da mega-sena são mínimas. Ele sabe
que enquanto está fazendo UM único jogo, amigos ricos fazem bolão com 500 jogos
e Thor Batista compra 96.285 sequências (com metade do dinheiro da mesada). Mas
ainda assim, o pobre, que não vale nada, sai da casa lotérica crente e abafando
que já é milionário. Eu sei disso, porque EU sou assim.
E aí o pobre chega em casa, manda a mulher botar mais água
no feijão e diz que a família precisa comemorar. A esposa não entende e o
marido – aquele traste que poderia ter trazido pão – mostra o bilhete da
mega-sena. ‘Vai ser dessa vez, mulher!!’, ele afirma, convicto. ‘A gente vai sair
desse barraco, e graças a esse bilhete premiado aqui!’. A mulher, que também
não vale nada, a princípio briga, diz que deveria ter escutado a mãe e nunca se
casado com aquele encosto, mas aos poucos cede aos encantos daquelas seis
dezenas no papel. ‘E se for a nossa vez?’ ela pensa. ‘E se eu for a próxima
Griselda Pereirão?’, sorri, confiante. ‘Vou embora de uma vez por todas desse
bairro, vou morar num condomínio, ter empregada doméstica, viajar de avião,
almoçar fora, ai meu Deus é esse bilhete! É esse! Estamos ricos!’.
Tadinhos. Aí chega o dia do sorteio, eles reúnem os amigos
em casa, os parentes do interior, abrem a garrafa de São Jorge e ficam só
esperando a confirmação do que já sabiam – que estavam milionários. Mas óbvio
que no final das contas quem acaba ganhando são aqueles amigos ricos que
fizeram o bolão, ou Thor Batista, que nem precisa desse dinheiro, mas quer
mandar fazer um clone seu para ir preso em seu lugar quando atropelar pessoas
desatentas.
Mas vamos supor que eu esteja apenas sendo pessimista. O pobre
também pode ganhar na loteria, por que não? Por isso, hoje o Guia vai ser
dedicado para você, miserável de pai e mãe, e que perde dinheiro mas não perde
a esperança. O que fazer caso, por uma eventualidade do destino, você seja o
próximo milionário de Salvador? Aqui vão algumas dicas para você aplicar bem a
bufunfa, se adequar ao estilo de vida da Casa-Grande soteropolitana – sem denunciar
a origem na Senzala – e de quebra, quem sabe, aparecer na coluna social de
July, do Jornal A Tarde, que você até hoje não sabe para que serve.
1 – Escolhendo o bairro onde morar: Vitória, Horto ou
Itaigara?
O pobre se deslumbra fácil e não sabe pra onde ir com
aquela dinheirada toda. O primeiro passo é arrumar um teto.
Você se arruma, vai na imobiliária e o corretor com cara de
paisagem tenta te empurrar um apartamento num condomínio em Alphaville, com 50
piscinas, varanda gourmet, salão de jogos, salão fitness, salão de beleza, spa
e supermercado. Não aceite. A última coisa que você quer é dar a impressão que
é algum emergente que ficou rico recentemente, e é justamente essa a impressão
que a aristocracia de Salvador tem sobre quem mora na Paralela. Então descarte
essa possibilidade.
O Itaigara deve ser a sua opção inicial. Bairro familiar,
com várias opções de lazer e gastronomia, escolas para matricular os rebentos e
o maior Índice de Desenvolvimento Humano da cidade (0,971, superior inclusive
ao IDH da Noruega).
A segunda opção é o Horto Florestal, que você nunca foi,
mas que certamente já ouviu alguma amiga empregada doméstica reclamando do
quanto sofre caminhando para chegar no trabalho, já que no Horto não passa
ônibus. Um bairro de riqueza, arranha-céus e mansões de luxo, cercada pelo
Engenho Velho da Federação, Nordeste de Amaralina e Engenho Velho de Brotas.
Praticamente um feudo.
Mas a opção com a qual todos sonham, é claro, é o Corredor
da Vitória. De longe, o metro quadrado residencial mais caro de Salvador
(R$12.000,00/m², em alguns apês), a rua mais arborizada, vista definida e 180º
para a Baía de Todos os Santos e um píer lá embaixo para você chamar de seu,
enquanto seus amigos se estapeiam por 30 cm de areia no Porto da Barra. Na
Vitória, o apartamento mais caro da cidade não está no Edf. Morada dos Cardeais
(vulgo ‘o prédio de Ivete’), como muita gente pensa, mas no Edf. Margarida
Costa Pinto, onde um puxadinho chega a custar a bagatela de R$8.000.000,00.
Quase o PIB de um país da África.
2 – Mobiliando o apartamento: Alameda das Espatódeas
Diga adeus às Casas Bahia, à Ricardo Eletro e à Insinuante.
O luxo em Salvador tem endereço e atende pelo nome de Alameda das Espatódeas,
no Caminho das Árvores. Aquela rua que você só sabe que existe porque seu
ônibus passa por lá antes de chegar na Av. Paulo VI.
São as vitrines mais bonitas de Salvador, onde você vai
poder comprar seus móveis com sossego, atendimento personalizado, e adquirir
objetos únicos, como vasos da dinastia Ming, que você nem sabe para que servem,
mas que precisa ter em casa para receber as visitas.
VOCÊ SABIA? No Natal, as lojas promovem uma
confraternização muito bonita, com decoração escandinava, papai Noel, duendes e
champagne. Mas como você nunca será convidado, sugiro que comece a parcelar sua
viagem para a excursão Natal Luz de Gramado desde já.
3 – Almoçando fora: Chez Bernard
Você é daqueles que conta os dias do ano para chegar a
Restaurant Week e poder comer nos restaurantes mais caros de Salvador por preço
de banana, né?
Mas o Chez Bernard, meu amigo, não participa dessa festa da
uva da classe média. Com vista infinita para a Baía e talvez o cardápio mais caro da cidade, a conta do seu
almoço já vai começar com três dígitos e a partir daí, o céu é o limite. Aqui
só entra rico e ponto.
Na adega do Chez descansam mais de 200 rótulos diferentes
de vinhos, incluindo uma seleção especial de exemplares nobres que chegam a
custar R$31.500,00, como a garrafa do francês Domaine Romanée-Conti 1990.
Quanto aos pratos, um dos mais famosos é o pato ao molho roti, na faixa dos 90
reais, que é cozinhado por três dias, resfriado a uma temperatura próxima do 0
Kelvin, e assado novamente, em banho-maria, com água proveniente do degelo do
Himalaia. O pato é coisa fina, e com o perdão do trocadilho, não é para o seu
bico.
4 – Opções de Lazer: #partiuPraiadoForte
Chega de levar o isopor e a farofa para a Praia da Ribeira.
O rico em Salvador, quando o céu está azul e o Sol a pino, só tem três opções:
pegar a lancha no Bahia Marina para dar uma volta pela Baía, tomar uns drinks
no Yacht Club, ou se misturar com a classe média - que pensa que é rica - em Praia
do Forte. Porto da Barra, nunca mais.
Também chamada de ‘Polinésia Brasileira’ (que exagero,
hein?) pelos pesquisadores, que destacam a diversidade do ecossistema marinho,
nossa Praia do Forte, a pouco mais de 50Km de Salvador, é o refúgio para os
milionários da cidade que ainda não têm dinheiro para comprar a sua própria
ilha. Apelidada carinhosamente de ‘A Búzios do Nordeste’, é cheia de resorts,
lojas caríssimas, restaurantes badalados e aquela sensação de se sentir turista
a poucos quilômetros de casa. De quebra, uma das melhores sedes do Projeto
Tamar do País, e passeios de ecoturismo na Reserva da Sapiranga.
5 – Fazendo compras: Alameda das Grifes do Iguatemi
Quando o Salvador Shopping foi inaugurado, muita gente se
surpreendeu. ‘Loucura’, pensaram alguns. ‘Um shopping desse nível aqui nessa
cidade, não vai ter futuro nenhum, não vai ter público, e ninguém vai ter
dinheiro para comprar ali’.
De fato, o ano era 2007, e Salvador só conhecia o Iguatemi
(o Barra não conta, já que atende basicamente à demanda dos moradores da Zona
Sul) como grande centro de compras da cidade. Aí veio o Grupo Paes Mendonça, e
com o conceito importado dos shoppings de Miami, presenteou a cidade com o
Salvador Shopping, naquele que foi, talvez, o maior empreendimento da
iniciativa privada da década passada na Capital baiana. O Salvador Shopping não
foi só um sucesso instantâneo, como foi duplicado no ano seguinte, vindo a se
tornar o 3º maior Shopping do Brasil em área construída (atrás apenas do
Shopping Aricanduva, em São Paulo, e do Shopping Dom Pedro, em Campinas). A
propósito: #chupaRecife!!!
E aí começaram a dizer que o Iguatemi estaria condenado.
Que não tinha cabimento dois centros comerciais tão próximos um do outro, que o
Salvador Shopping era muito mais bonito, que ninguém ia querer saber mais do
Iguatemi e ele ia fechar as portas. Ledo engano. O Iguatemi não só manteve o
posto de shopping mais movimentado da cidade (em parte, graças à proximidade
com a Rodoviária e o fácil acesso por transporte público), como se reinventou e
continuou apresentando o metro quadrado comercial mais caro de Salvador: a
Alameda das Grifes.
Você provavelmente nunca passou por lá, já que só anda no
1º piso. Basicamente, é o corredor mais amplo e mais bonito do Iguatz, onde no
inverno o ar condicionado é reduzido a próximo de 15 graus para que as madames
possam passear de echarpe e casacos de pele sem suar feito cuscuz. Apresenta
lojas como a Zara (que na Europa, é marca de pobre), Richards, Adidas, Osklen,
Lacoste e a Carlos Miele, onde os preços na vitrine alcançam as cifras de R$
5.000,00. No meio do caminho, o Pereira Café para você descansar as sacolas das
compras, ou o Outback Steakhouse para tomar um chopp, se estiver na hora do
happy hour.
Enfim, é isso. Espero que esse Guia tenha ajudado, para o caso
de você ganhar na loteria nos próximos meses, ou quem sabe, nessa semana, e não
souber o que fazer com o prêmio. Guarde as informações, compartilhe com os
amigos, imprima e faça diferente de Nina/Rita: salve num pen-drive.